segunda-feira, 13 de maio de 2013

Tecnologia que usa pó de rocha como fertilizante é alternativa para recuperação de solos degradados

O uso de rochas moídas como alternativa aos fertilizantes químicos solúveis foi tema do workshop sobre Rochagem na sede da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), em Brasília, nesta quinta-feira (9/5/13). A tecnologia, que já é uma realidade em muitos sistemas de produção agrícola sustentável, em especial entre agricultores familiares do sul do Brasil, está em conformidade com os princípios agroecológicos e serve como uma opção viável de recuperação de solos tropicais degradados.

O evento promoveu uma discussão – entre técnicos da Codevasf, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade de Brasília (UnB) – sobre a tecnologia de rochagem, as possibilidades de aplicação no âmbito das ações da Codevasf e as perceptivas de elaboração de um projeto piloto em conjunto.

“A ideia é agregar ao agricultor familiar uma matéria-prima que seja de baixo custo e disponível na região de produção, eliminando a dependência desses agricultores da importação de fertilizantes, que são em sua maioria importados”, afirma o assessor da presidência da Companhia, Stênio Petrovich.

Segundo o assessor, o projeto piloto, ainda em fase de formatação, será multidisciplinar e contará com a expertise dos órgãos envolvidos – a geologia, a cargo da CPRM; os experimentos agronômicos, da Embrapa; a pesquisa de laboratório mineral, da UnB; e a disponibilização da área e do pessoal para aplicar a técnica na ponta, da Codevasf. “A região escolhida para aplicar esse projeto piloto com os agricultores foi uma parte do perímetro de irrigação Baixio de Irecê (BA) com pouca fertilidade, que são as areias do rio São Francisco”.

Rochagem - Pode ser entendida como um processo de rejuvenescimento ou remineralização do solo, mediante a adição de pó de rocha (ou seus subprodutos), desde que contenha quantidades consideráveis de macro e micronutrientes necessários ao pleno desenvolvimento das plantas.

A geóloga e pesquisadora do CPRM Magda Bergmann explica que o material produzido a partir de determinadas rochas permanece no solo e oferece ao longo do tempo os nutrientes necessários ao desenvolvimento das plantas, enquanto os fertilizantes químicos solúveis são levados pela primeira chuva, sem garantia de que as plantas aproveitem os nutrientes. Ela afirma que outra grande diferença da tecnologia é que quando se usa um fertilizante solúvel, por exemplo a base de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), uma extensa gama de micronutrientes importantes para a planta e também para a nutrição humana não estão presentes.

“As rochas têm molibdênio, cobre, vanádio, sílica, uma série de outros elementos que, mesmo em pequenas quantidades, são importantes. A banana e o mamão dependem muito de potássio, já o morango depende muito do molibdênio”, exemplifica Magda Bergmann.

O reconhecimento e o interesse despertado por essa prática tem crescido em função de resultados obtidos por várias instituições de pesquisa e fomento – CPRM, Embrapa, UnB, entre outras – que confirmam os resultados promissores obtidos em diversos testes e áreas demonstrativas, em substituição ou complementação aos fertilizantes convencionais. Mas a geóloga ressalta que não se pode moer qualquer rocha para usar na produção de alimentos. “Essas rochas devem ter uma certificação de que não possuem elementos nocivos à saúde e que realmente contribuem para a nutrição da planta”, diz.
Fonte: CODEVASF

Em 2100 parte do Semiárido pode se tornar deserto, revela Inpe



Petrolina (PE) - Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) com base em tendências climáticas revelam que, em 2100, parte do Semiárido brasileiro pode se tornar uma região de deserto. De acordo com o pesquisador do Inpe José Marengo, o aumento da temperatura e a falta de chuva podem ser os principais responsáveis pela aridez na região.

“Em 2050, algumas partes do Semiárido já podem passar a ser áridas. Atualmente chove apenas parte do ano e a precipitação é mal distribuída. No caso da aridez, é quando não há chuva”, explica. Para Marengo, a situação atual do Semiárido é preocupante devido à duração da estiagem. A rigorosa escassez de chuvas pelo segundo ano consecutivo impõe à região a pior seca dos últimos 50 anos, que atinge 1.046 municípios.

“O maior problema é que a população ainda não está adaptada à seca. E o fato não é um fenômeno surpresa, já aconteceu antes. Atualmente a população que sofre com os efeitos da estiagem, abandona seus terrenos no campo e migra para as grandes cidades. Isso pode criar um problema social, a pessoa desesperada por comida faz saques. Ela não quer roubar, só quer comer. O impacto da seca já passou a ser um fenômeno social, político, não apenas meteorológico”.

Os efeitos mais agressivos da estiagem estão concentrados na Região Nordeste, onde o Ministério do Meio Ambiente (MMA) já identificou oficialmente quatro núcleos de desertificação: são 1.340 quilômetros quadrados e aproximadamente 1400 municípios em 11 estados. A área abrange 16% do território brasileiro.

Os núcleos estão localizados na região do Seridó, na Paraíba, onde o fenômeno ocorre devido à falta de manejo da caatinga para atender a pecuária extensiva e a demanda energética; na região de Xingó, que compreende municípios nos estados de Alagoas, Pernambuco, Sergipe e Bahia, a ocorrência se dá devido à irrigação sem critérios técnicos, provocando a salinização dos solos; Na região de Gibões (PI), ocorre uma intensa degradação do solo por processo de mineração inadequado; e na região do Irauçuba (CE), por falta de manejo dos recursos naturais.

De acordo com o pesquisador em geoprocessamento da Embrapa Semiárido, Iêdo Sá, o processo de desertificação é consequência de fatores humanos e climáticos. “O Semiárido tem uma série de condicionantes como clima, solo, água e regime de chuvas que é muito favorável a processos de degradação de ambiente. Associados com práticas inadequadas adotadas pelo homem, às vezes por ignorância, por má-fé ou falta de capital, [provocam a desertificação].

Dentre os fatores humanos, ele destaca o desmatamento, a extração excessiva de produtos florestais, as queimadas, a sobrecarga animal, o uso intensivo do solo e seu manejo inadequado e, por último, o emprego de tecnologias não apropriadas para ecossistemas frágeis. “Com respeito às causas climáticas da degradação, é possível mencionar as recorrentes e prolongadas secas que afetam vários países e que [agravam] ainda mais as consequências derivadas da ação humana”.


Sá explica que nas áreas em processo de desertificação as proporções de pobreza e de indigência estão acima da média nacional. Segundo ele, no Nordeste brasileiro, uma área maior do que o estado do Ceará já foi atingida pela desertificação de forma grave ou muito grave.

“Do mesmo modo, a pobreza e a indigência, geralmente, afetam a população rural em maior proporção do que a população urbana, mesmo que, em números absolutos, haja mais pobres nas cidades. É comum no meio rural que parte dos membros do grupo familiar migrem, temporária ou permanentemente, em busca de atividades de maior produtividade, seja na própria agricultura seja em outros setores”.

Para combater o processo, o MMA tem destinado em torno de R$ 25 milhões a iniciativas de uso sustentável dos recursos naturais. De acordo com o diretor do Departamento de Combate à Desertificação do ministério, Francisco Barreto Campello, para viabilizar a aplicação dos recursos, a pasta viabilizou um conjunto de projetos que promovem a convivência com a semiaridez para o combate à desertificação, visando à segurança alimentar, energética, hídrica e da biodiversidade.

O processo de desertificação não se observa apenas no Semiárido brasileiro. Segundo Campello, o fenômeno está presente em 34,7% da superfície do planeta, em uma área onde vivem cerca de 41,3% da população. Na América Latina, dados da Organização das Nações 
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) revelam que mais de 516 milhões de hectares são afetados no mundo. Como resultante do processo perdem-se cerca de 24 bilhões de toneladas por ano da camada arável e produtiva do solo, o que afeta de forma negativa a produção agrícola e o desenvolvimento sustentável.

Sobre os efeitos da longa estiagem provocada pelo clima semiárido, José Marengo destacou a iniciativa de Israel como uma experiência de sucesso no convívio com a falta de chuva. “Israel também tem seca, como a do Semiárido brasileiro, mas não tem os mesmos problemas. Há produção [agrícola] o ano todo. Os investimentos do setor privado são muito fortes. Lá eles aprenderam a conviver com a seca. Um país pequeno, [com alto grau de tecnologia] – ideal para ser aplicado no Brasil, como já é usado em Petrolina. Na cidade, há um investimento forte com a agricultura”.

Segundo o pesquisador do Inpe, a região de Sahel, na África também tem um clima semelhante ao do Semiárido brasileiro. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que a piora da situação da seca na região do Sahel já afeta 15 milhões de pessoas, incluindo 1 milhão de crianças, com a escassez de alimentos e o agravamento da desnutrição. De acordo com o Conselho de Segurança da ONU, a presença de grupos terroristas armados, junto com a pobreza crônica e a alta dos preços dos alimentos, torna o problema ainda mais delicado na região africana.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Bezerra Brasília é o novo clone da Embrapa

Manhosa, dócil e perfeitamente saudável. Essa é a bezerra “Brasília da Cerrados”, nascida no dia 23 de abril nas dependências do Centro de Transferência de Tecnologias de Raças Zebuínas com Aptidão Leiteira (CTZL) da Embrapa Cerrados (Planaltina, DF), localizado no Gama (DF). Apesar do comportamento normal para qualquer bovino da raça Guzerá Leiteiro dessa idade, Brasília não é uma bezerra qualquer. Ela é um animal clonado pela técnica de transferência nuclear – mas não um clone convencional, a partir de células embrionárias ou de pele. Trata-se da primeira experiência bem-sucedida de clonagem de bovino a partir de células de tecido adiposo (gorduras) de um animal nascido.

 


Batizada com o nome da capital federal por ter nascido na semana do aniversário de 53 anos da cidade, a bezerra é fruto de um estudo iniciado há quatro anos pelo pesquisador Carlos Frederico Martins, com participação da professora Sônia Nair Báo, professora de Biologia Animal da Universidade de Brasília (UnB), de Ivo Pivato, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da UnB, das bolsistas Carolina Gonzales da Silva e Elisa Ribeiro da Cunha, alunas respectivamente de doutorado e mestrado da UnB, e da equipe do CTZL. Atualmente, os professores Fábio Ximenes e José Renato Borges, do Hospital Veterinário da Unb, também estão participando do trabalho, realizando o acompanhamento neonatal da bezerra Brasília.

“Há relatos na literatura de tentativas de clonagem a partir de células-tronco induzidas de células adiposas, mas o animal nasceu morto. No nosso caso, é a primeira vez que nasce um animal saudável utilizando-se esse tipo celular como fonte de células-tronco”, explica o pesquisador. E Brasília é tão saudável – nasceu de parto natural com 35 kg, e já pesava 42 kg aos 10 dias de vida – que mama, caminha e brinca sem qualquer dificuldade ou ajuda dos técnicos.

O nascimento sem complicações chamou a atenção da equipe do Centro. “Nascer de parto natural é raro para animais clonados. Normalmente, o parto é induzido porque o clone não sinaliza para a mãe de aluguel quando vai nascer”, diz Martins, acrescentando que o peso de Brasília ao nascer foi satisfatório. “Um dos clones produzidos pelo uso de outro tipo celular (células amnióticas) morreu logo após o nascimento por complicações respiratórias. Era muito grande, pesava 58 kg”, compara.

O pesquisador da Embrapa Cerrados e os colegas chegaram a desconfiar que a gestação tranquila resultaria em um animal não clonado. Mas quando Marina, a vaca receptora do embrião, deu à luz, o sucesso ficou evidente. “Ela é idêntica à vaca doadora quando bezerra, tem as mesmas manchas, os mesmos traços”, garante Martins. De fato, Brasília não guarda qualquer semelhança com Marina, uma vaca da raça Girolando. Por outro lado, é impossível distingui-la da imagem de Acácia, a mãe biológica, quando bezerra.

A comprovação definitiva de que se tratava mesmo de um clone veio uma semana depois, com o resultado do exame de DNA apontando rigorosamente o mesmo material genético de Acácia.

Pesquisa

Tudo começou com a coleta e o isolamento de células de Acácia, a vaca doadora, quando ela ainda era um feto. Nesse estágio, foram coletadas células do cordão umbilical e do líquido amniótico. Ao nascer, células adiposas concentradas na cauda do animal foram retiradas. Apesar de especializadas, ou seja, com funções determinadas, esses três tipos de células são como a medula óssea: elas têm alto poder de multiplicação e podem se tornar células-tronco – aquelas capazes de formar qualquer tecido e originar um novo ser vivo.

Em laboratório, é feita a transferência nuclear: ovócitos (óvulos não fecundados) extraídos de vacas receptoras e maturados in vitro têm os núcleos retirados (enucleação). Em seguida, uma micropipeta insere nos ovócitos o conteúdo (núcleo e citoplasma) das células coletadas. Cada ovócito recebe uma célula (adiposa, do cordão umbilical ou do líquido amniótico).

Por meio do processo chamado eletrofusão, que são pequenas descargas elétricas, os dois materiais celulares se fundem, gerando a célula embrionária. Cultivada in vitro, em meio rico em cálcio, essa célula tem o núcleo ativado e entra em divisão. Após sete dias em cultura, o citoplasma induz a multiplicação das células, dando origem ao embrião, que é implantado no útero dos animais receptores, que servirão como verdadeiras barrigas de aluguel.

O trabalho da pesquisa foi árduo e desafiador. Isso porque a formação e a transferência do embrião para as vacas receptoras nem sempre têm êxito. Em outros casos, as mães de aluguel tiveram problemas placentários e na gestação, levando ao aborto. As três prenhezes em vacas que receberam embriões originados de células de cordão umbilical – dos 15 embriões originados desse tipo celular transferidos a mães de aluguel (ou seja, 20% de eficiência) - não resultaram em nascimentos, e os abortos se deram entre os quatro e os cinco meses de gestação. Oito embriões foram obtidos a partir de células do fluido amniótico, mas apenas uma gestação (12,5% de eficiência) chegou ao fim – justamente a do clone de 58 kg que morreu no parto.

O sucesso veio com as células de tecido adiposo. Dos quatro embriões implantados, houve apenas uma prenhez (25% de eficiência), mas que foi bem sucedida – a da jovem vaca Marina, hoje com dois anos e três meses, que por 290 dias carregou Brasília no ventre. A gestação do clone foi monitorada com sessões mensais de ultrassonografia, que se tornaram diárias na fase final.

A equipe do CTZL agora vai monitorar a bezerra Brasília quanto à fisiologia, ao desenvolvimento do aparelho reprodutor, ao comportamento reprodutivo e à produção de leite, entre outros aspectos.

Vantagens

O pesquisador Carlos Frederico Martins explica que a clonagem é uma ferramenta de melhoramento genético utilizada para a multiplicação de animais de elevada qualidade, de animais falecidos ou ainda daqueles que já estão fora da idade reprodutiva.

No caso do uso de células do tecido adiposo como fonte de células-tronco, além da elevada capacidade de produção de embriões, como também observado nas células do fluido amniótico e do cordão umbilical, há ainda a possibilidade de retirada de material de um animal já nascido – macho ou fêmea.

O nascimento da bezerra Brasília motiva o prosseguimento do estudo. “Vamos continuar pesquisando esses tipos de células. Queremos futuramente clonar animais transgênicos para a produção de proteínas de interesse humano, como a insulina ou fatores de coagulação humana, que possam ser liberadas a partir do leite bovino”, afirma.

Experiência consagrada

A experiência da Embrapa com a clonagem de bovinos tem mais de uma década. A Empresa é responsável pelo primeiro bovino clonado na América Latina, representando um marco para a ciência. A bezerra “Vitória da Embrapa”, da raça Simental, nasceu em março de 2001. Ela foi clonada pela técnica de transferência nuclear a partir de células embrionárias e sempre mostrou bom desempenho em relação a crescimento e desenvolvimento de acordo com os padrões de sua raça.

Em 2004, o nascimento do primeiro filhote comprovou que Vitória era um clone perfeito do ponto de vista científico e de produção, considerando o potencial reprodutivo e a habilidade materna. Em 2006, deu à luz mais uma cria. Faleceu em 2011, já em idade avançada. Além dos dois filhos, Vitória deixou dois netos, todos nascidos de forma natural.

O domínio da tecnologia alcançado com o nascimento de Vitória levou a outros clones bovinos bem sucedidos. Em 2003, nasceu “Lenda da Embrapa”, da raça holandesa. Em 2005, foi a vez de “Porã”, da raça Junqueira, em estado crítico de extinção no Brasil, com menos de 100 animais em todo o País. Assim como Vitória, esses clones deram crias, o que comprova bom potencial reprodutivo e habilidade materna.


Fonte: EMBRAPA

   

Cidadania Ribeirinha resgata tradições em Matias Cardoso

População do município ribeirinho do Norte de Minas atua pela preservação do patrimônio cultural do Rio São Francisco.
                                                                                                                                                                                                                                  
          O projeto Cidadania Ribeirinha é um dos atores responsáveis por promover e incentivar conquistas no município         considerado marco inicial da colonização  de Minas Gerais -    Foto: Rossana Magri 

A participação da população é fundamental para a preservação do patrimônio cultural. Em Matias Cardoso, município ribeirinho do Norte de Minas, essa afirmação ganha vida no trabalho de vazanteiros, líderes comunitários, estudantes, artesãs e comunidades quilombolas que têm buscado preservar e valorizar o seu patrimônio. E o município, considerado o marco inicial da colonização de Minas Gerais, já tem colhido frutos dessa mobilização: o resgate de tradições, a valorização do patrimônio cultural e a formação para a cidadania são alguns dos resultados.

Um dos atores responsáveis por promover e incentivar essas conquistas é o projeto Cidadania Ribeirinha da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que desde o ano passado atua em Matias Cardoso, Itacarambi, Manga e Pedras de Maria da Cruz. A escolha desses municípios tem um motivo: entre as cidades banhadas pelo Rio São Francisco em Minas, elas registram o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Para ajudar a mudar essa realidade, o projeto busca, por meio do engajamento das comunidades locais, promover ações de preservação ambiental, desenvolvimento sustentável e valorização cultural.

Essas ações, segundo o gestor do projeto e consultor técnico da ALMG, Márcio Santos, consistem em cursos, seminários, debates, oficinas e ações comunitárias promovidas nas localidades. A partir dessas atividades, espera-se que as informações e reflexões sejam apropriadas e multiplicadas pelas comunidades envolvidas.


Para que essas ações sejam contínuas, o projeto conta com parceiros. Um deles é o diácono Daniel Cordeiro Matias, responsável pela Igreja Nossa Senhora da Conceição, considerada a mais antiga do Estado. Inaugurada em 8 de dezembro de 1695, sua construção tem paredes com um metro de espessura e furos que sugerem que ela era utilizada também como uma fortificação, além de túneis secretos para fuga em caso de ataque ao arraial. “Não era apenas um templo, mas uma fortaleza”, acredita o gestor do Cidadania Ribeirinha.

Um dos parceiros do projeto é o diácono Daniel Matias, responsávelpela Igreja N. Sr.ª da Conceição - Foto: Rossana Magri 

O problema é que a história desse patrimônio nem sempre é conhecida, principalmente pelos jovens. Por isso, o diácono tem incentivado a preservação da memória e das tradições. “Os jovens vão elaborar uma peça de teatro para contar a história de Matias Cardoso. Além disso, montamos uma exposição composta por rezas antigas e objetos da cultura e da vida de nossa cidade, como panelas de ferro, pratarias e louças com mais de 200 anos” , explica.

Essa consciência da cidade e de sua importância histórica e cultural é indispensável para a preservação do patrimônio, já que, segundo o assessor jurídico da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Frederico Bianchini, a maioria dos casos de sucesso no âmbito estadual ocorre quando há parcerias. “A responsabilidade é de todos. Em Manga, por exemplo, o Ministério Público conseguiu, a partir do questionamento da comunidade, evitar a demolição de um casarão histórico de valor cultural”, exemplifica o assessor.

Estilo de vida também deve ser preservado
                                                                                                                                                                                                                                                    
Os agricultores Deocleciano dos Santos e Natalino da Silva optaram pelo plantio sem agrotóxico - Foto: Rossana Magri

Além da preservação do patrimônio material, nos municípios integrantes do Cidadania Ribeirinha há também um importante bem a ser preservado: as práticas e o modo de viver das comunidades quilombolas, vazanteiras e de pescadores. Nesse aspecto, o objetivo do projeto é preservar o estilo de vida próprio dessas comunidades, próximo da natureza, além de promover uma consciência de desenvolvimento sustentável.

A proteção desse modo de viver, explica a coordenadora do setor de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-MG), Corina Moreira, significa a preservação de práticas e expressões inseridas no cotidiano, são os saberes transmitidos por meio de gerações. A dificuldade é que, muitas vezes, esses saberes estão tão enraizados no cotidiano que eles podem não ser identificados como tradição pela própria comunidade.

A preocupação com a preservação das tradições faz com que o líder da comunidade quilombola e vereador de Pedras de Maria da Cruz, Agmar Pereira Lima, busque resgatar rezas e cantos próprios da cultura quilombola. “Vemos as pessoas se redescobrindo e voltando a praticar esses costumes”, conta.
                         




Selma Evangelista procurou as artesãs mais antigas da região a fim de resgatar algumas técnica - Foto: Rossana Magr

Crochê de marambaia - Para resgatar algumas técnicas de artesanato, a fundadora da Associação das Mulheres Artesãs da Praia, Selma Evangelista, procurou as artesãs mais antigas da região. A partir da troca de experiências, ela aprendeu o crochê de marambaia, que é ensinado hoje na associação. Mais do que o resgate da tradição para repassar aos mais jovens, a iniciativa marcou também o retorno das antigas artesãs ao ofício. “Muitas voltaram a bordar e houve também uma melhora da autoestima delas”, explica.

A mudança na postura e na compreensão de sua importância cultural também avança sobre a maneira como a comunidade se relaciona com o meio ambiente. Agricultores da comunidade Ilha Pau de Légua, Natalino da Silva e Deocleciano Pereira dos Santos têm optado pelo uso racional e sustentável dos recursos naturais, com o plantio sem agrotóxico e a eliminação das queimadas.

Empolgado com o conhecimento adquirido, Natalino, que já tem uma horta orgânica, dá a dica. “Para matar formiga cortadeira não precisa utilizar inseticida: coloca pão mofado com vinagre para ela alimentar. É uma forma natural”, ensina o agricultor.

Projeto também atua na promoção da cidadania
 
Na multiplicação das ideias promovidas pelo projeto, existem ainda os professores multiplicadores, que são responsáveis por transmitir o conteúdo do curso para os alunos do ensino médio das escolas da rede pública. Essas aulas, como explica o gestor do projeto, representam o repasse formal de conteúdos. Além delas, serão realizadas também atividades em campo, como mutirões, campanhas educativas e pesquisas. Elas serão desenvolvidas a céu aberto, fora da sala de aula, mobilizando os alunos para a defesa dos recursos hídricos, de cidades limpas e do patrimônio cultural.
                                                                                          
Janaelle Neri é gestora pública e professora multiplicadora do projeto na região -    Foto: Rossana Magri

Essas ações possibilitam, para a gestora pública e professora multiplicadora do projeto na região, Janaelle Neri, a mudança da relação do indivíduo com a cidade e com o lugar que ele ocupa. “É uma oportunidade de criar um espaço para o debate. Muitas vezes, a população assiste a tudo e não tem atitude, não sabe se posicionar”, opina.

Além da sala de aula, esse espaço para o debate sobre cidadania se amplia até as comunidades vazanteiras e quilombolas. É o que destaca a moradora da comunidade quilombola da Lapinha, Dermira Ferreira Borges. “Aprendemos a debater, a buscar os direitos da gente, a buscar informação até mesmo sobre as leis que amparam a comunidade”, enumera.

Mais do que isso, Cristiane Rodrigues Pinheiro, moradora da comunidade vazanteira do Pau Preto, destaca que a participação, além de mudar a mentalidade das pessoas, muda ainda a visão dos moradores da região. “Estamos sendo mais vistos, estamos sendo lembrados, somos mais reconhecidos”, destaca, satisfeita.

CAA realiza atividades de educação ambiental com mais de 2000 crianças

A necessidade de dialogar com as crianças e pensar o futuro da agricultura familiar e das comunidades tradicionais motivou o CAA-NM a elaborar em 2006 o Projeto Enlaçando Experiências. A iniciativa é realizada em parceria com Sindicatos de trabalhadores/trabalhadoras rurais, Associações, comunidades, famílias, educadores, jovens, adolescentes e crianças. Num ambiente lúdico e recreativo, crianças e adolescentes são convidados a refletir sobre o meio ambiente, sua comunidade e seus sonhos. E a pensar alternativas juntamente com sua família, a partir da agroecologia, da economia solidária e  da autoafirmação de sua identidade.

Para Braulino Caetano dos Santos, o projeto Enlaçando Experiências veio para fortalecer a ação do CAA-NM junto às comunidades. “O projeto coloca as crianças na roda, prepara a juventude do futuro para valorizar a agricultura, o cerrado, as tradições”, relata Braulino.

Através de momentos formativos e atividades práticas, são abordados temas  como manejo da roça, conservação das sementes crioulas, a importância e cuidado com as águas e a destinação dos lixos. 

No  Quilombo do Gurutuba, o trabalho é realizado com 425 crianças, em comunidades. Antônia Antunes dos Reis, tesoureira da Associação Quilombola do Gurutuba afirma que o Enlaçando tem colaborado com o  desenvolvimento das crianças dentro da sala de aula. “O projeto incentiva as crianças a estudarem, completa o que é ensinado na sala de aula. Depois do enlaçando a cultura quilombola entrou para a sala de aula. As 60 crianças estão dançando o batuque e fazendo até teatro”, conta Antônia. 

“Temos que ajudar a terra plantando árvores, jogando lixo no lixo, para a terra ser um lugar melhor, e é isso que o CAA ensina, levando esse projeto para todos. Eles querem um país melhor e não pior, esse é o CAA”, explica Luiz Antônio, da comunidade de São Domingos, município de Ibiracatu.

Apoio - Desde o início o projeto é apoiado pela ACTIONAID, –  Instituição internacional com sede na África do Sul, presente em mais de 40 países cuja missão é “erradicar a pobreza através do trabalho em parceria com as populações pobres e suas organizações para apoiá-las na garantia de seus direitos básicos, superando a exclusão, a injustiça e a desigualdade”. Outro  parceiro recente do projeto é o FIES – Fundo Itaú Excelência Social, que colabora com projetos sociais voltados para a educação.


Fonte: CAA