sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Guardião da Agrobiodiversidade

Tem gente que coleciona selos. Outros colecionam camisas de futebol. Mas o agricultor Geraldo Gomes Barbosa, de 50 anos, morador da comunidade de Touros, em Serranópolis de Minas, no Norte do estado, 'coleciona' sementes. São cerca de 200 espécies e variedades de vegetais e hortaliças, catalogados e guardados em garrafas pet e tambores em um cômodo de sua casa. A prática é uma tradição de família, comum da época de seus bisavós e que foi passada por gerações até ele. Mais do que um hobby, o banco de sementes crioulas de Geraldo é uma maneira de conservar variedades de espécies e também de ajudar a comunidade local a se manter abastecida sem precisar    recorrer a mercados.

O banco ou casa de sementes funciona assim: o guardião tem todo o trabalho de guardar, procurar e aprimorar as espécies e variedades e sempre que um outro agricultor precisa, para seu plantio familiar, é à casa de sementes que ele recorre. O acordo é sempre amistoso e nunca visa o lucro. O guardião 'empresta' a quantidade de sementes necessárias e no ano seguinte, quando a plantação der seus frutos, ele devolve as sementes ao guardião, com um acréscimo combinado entre os dois.

“Esse é o patrimônio deles”, destaca o agrônomo do Centro de Agricultura Alternativa (CAA) do Norte de Minas, Nilton Fábio Alves Lopes. “É através delas que toda a comunidade tem autonomia em seu plantio, além disso elas servem também para garantir sua alimentação. Ter o domínio da semente é muito importante para esse povo porque ela conserva a soberania e independência dessas famílias”, explica.

Patrimônio é uma palavra que realmente cabe aqui. Essas sementes são patrimônio econômico, histórico e cultural, não só da família de Geraldo, mas também de toda sua comunidade. Para um leigo, um feijão é sempre um feijão, mas um verdadeiro conhecedor da terra e das espécies percebe quando alterações nas sementes causam mudanças em seus frutos. “Temos muitas variedades que as pessoas perderam e me procuram interessados em recuperar. Um exemplo é o amendoim preto, que é medicinal. Minha família vem plantando essa variedade tem mais de 100 anos e passando ela a cada geração”.

O caso é prova de que o patrimônio mantido vivo por Geraldo é também uma herança. Mesmo que muitas sementes não sejam exatamente as mesmas, o conhecimento sobre seu manuseio, a paixão pela terra e a habilidade com o plantio são heranças culturais de seu  Antonino Laudelino Neto, avô materno de Geraldo. “Ele sempre tinha essa preocupação, dizendo que tudo na vida muda. Por isso é melhor guardar. Todo o conhecimento dele foi ganho na prática, com experimentos que ele fazia. Aprendi muito com ele”, conta o agricultor.

Na primeira série, Geraldo tinha que andar cinco quilômetros à pé para ir à escola. Quando ele passou de ano, a distância aumentou mais um quilômetro e a dificuldade fez com que ele parasse seus estudos por aí. Com isso, Geraldo começou, aos sete anos, a trabalhar na roça. A parte mais gostosa disso era poder passar tempo com o avô.

A infância foi muito difícil, época em que a família do agricultor, que teve oito irmãos, passou uma 'dificuldade danada'. Mas ela não impediu que o amor pelo lugar desaparecesse, tanto é que hoje ele não se imagina morando em outro lugar. E olha que Geraldo é um agricultor bem 'rodado'. No ano passado ele participou de uma conferência internacional na França, onde falou sobre suas experiências com sementes crioulas. “Também falei na Rio+20 e eles traduziram minha palestra em inglês e espanhol. Isso é muito bacana, saber que tem pessoas de outros países que estão muito interessados em saber sobre o trabalho que a gente faz”, confessa.

Além disso, representantes do Nepal e da Guatemala também já procuraram o agricultor para aprender mais sobre as práticas dele. Ajudar outras pessoas a entenderem como uma tradição tão singela pode ter tanto poder é motivo de grande orgulho para esse homem simples.  “É muito bom mostrar para as pessoas que mesmo no semi-árido a gente é capaz de produzir e ajudar o planeta”.

Mesmo em meio a uma das piores secas dos últimos 40 anos, o agrônomo do CAA ressalta que o sistema de produção deles e a metodologia da casa das sementes têm amenizado os efeitos da estiagem.

Isso porque os donos de casas têm o costume de aprimorar as sementes geneticamente, selecionando aquelas que lidam melhor ao ambiente em que estão inseridas. “A gente tem sempre conservado plantas mais resistentes e que produzem mais rápido. Tem umas que sabemos que se adaptam melhor ao semiárido, que muita gente não conhece e que garantem alimento nesses períodos críticos”, diz Geraldo. Um exemplo é a palma. Uma espécie de cacto brasileiro, ela geralmente é associada à alimentação de gado. “Mas ela é mais rica que muitos alimentos que a gente come normalmente. No México eles preparam mais de 200 tipos de pratos a partir dela”, completa.

Por essa e outras que Geraldo ganhou o título de guardião da agrobiodiversidade. “Ele é uma pessoa especial, simples e humilde. Além de selecionar os materiais, ele multiplica o conhecimento ensinando outras pessoas e incentiva que outros agricultores trabalhem assim”, afirma Nilton.

Como se não fosse o suficiente ser guardião da agrobiodiversidade, Geraldo também deseja ser um guardião da cultura sertaneja. “Meu avô paterno era sanfoneiro e eu também sou. Faço parte de um grupo de seresta e estamos fazendo um trabalho de resgate da cultura da nossa comunidade que vai virar CD”, conta. Ele também cria suas próprias músicas e poesias. Alguém faz ideia do assunto preferido dele? 


   “Eu moro no meio do mato
junto da mãe natureza
desfrutando do perfume das flores
e muita beleza” - Geraldo Gomes Barbosa 



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